segunda-feira, março 30, 2009

Consulta no doutor

-Doutor, tenho o corção amassado. Pior ainda: perfurado. Parece que o atiraram ao chão.
-Vou lhe receitar uma coisa.
-Uma coisa?
-Sim, um coisa: comprimidos.
-Ah...
-Funciona assim: pega na lamela, tira um e só um de cada vez...
-Sim...
-Pega num copo com água, mete o comprimido na boca e dá um gole na água...
-Hum?
-Pois, que é para ir tudo junto.
-Ah...
-Percebeu? Comprimido, água... engolir.
-Certo. E isso cura-me o coração?
-Não sei. Eu sou apenas médico. Limito-me a cumprir a minha função: receitar coisas.
-Sim, compreendo.
-Devia estar contente. Saiu-lhe comprimidos. Acho muito sofisticado.
-De facto.
-Xarope ou supositórios... ui, muito pior.
-Acredito. Eu nisto tenho pouca experiência. Só aviei receitas uma vez e já foi há muito tempo.
-E era o quê?
-Era vacinas. Não gostei.
-E com toda a razão. Vacinas é muito mau.
-Então e quando acabarem os comprimidos? Imagine que o coração ainda me dói...
-Hum... mas isso dói muito?
-Sim... bastante.
-Então compre duas caixas. Para durar mais tempo. E tome... olhe, várias vezes ao dia.
-Várias? Mas várias quantas?
-Sei lá, várias. Isto são comprimidos. Comprimidos não fazem mal. Tome várias vezes ao dia, um de cada vez.
-Certo.
-Melhor ainda: parta o comprimido ao meio e tome só metade de cada vez. Mas não se esqueça de tomar o dobro das vezes.
-Er... portanto, o dobro de várias vezes, em doses com metade do tamanho?
-Hum... pois. Suponho que sim. Olhe, as melhoras.

terça-feira, março 03, 2009

Poesia Lamechas

às vezes
apetece-me dizer-te coisas que já muita gente disse e escreveu
há milhares de ideias amorosas por aí
nas paredes dos subúrbios
e nos livros
algumas escritas há mais de mil anos
com edição em capa dura
que já quase ninguém lê
só professores
e alguns alunos de línguas e literaturas
outras escritas ontem à noite
com spray das lojas dos chineses
em abreviaturas neo-logísticas
com estrangeirismos à mistura
mas é bonito quando uma pessoa está apaixonada
porque se lê aquilo "Tânia o meu heart é td teu" e se pensa
"oh, que romântico"

o meu coração não é todo teu
nem um pouco só
mas há outras coisas que o são:
o meu tempo
o meu pensamento
o meu amor
a minha espera
a minha impaciência
o meu desejo
e uma ou outra peça de roupa esquecida aí em casa
mais a minha escova de dentes
que costumava ser do campismo
e que agora está no copo do teu lavatório

eu também penso coisas bonitas e queridas
só por causa de ti
por exemplo
gosto de ser a tua companhia
mesmo quando estás a fazer as tuas coisas e não me ligas nenhuma
e eu pego num livro e leio
ao teu lado
ou quando, como agora, pego no caderno e escrevo
enquanto trabalhas no computador
gosto de te fazer companhia
mesmo quando não dás por isso

também gosto de te sorrir quando estás triste
aquele sorriso parvo
a que normalmente não resistes
e te faz sorrir de volta
saber que não resistes é algo que me faz feliz
às vezes resistes
mas se nunca resistisses o amor seria um grande tédio
como uma operação matemática simples:
eu sorrio = tu derretes

também gosto de cozinhar para ti
e de escolher vinho e bebê-lo contigo