quinta-feira, maio 12, 2011

Niagara

Foi uma visita inesperada. Eram duas da manhã, ou quase, e tocaram-me à porta. Eu estava sozinho em casa. Eu vivia sozinho e passava a maior parte do tempo sozinho. E, sobretudo, não me importava com isso. Nesse tempo, estar sozinho era bastante bom. Via televisão e lia livros. Via mais televisão do que via livros. Era mais fácil. Mas às vezes lia mesmo. Ficava uma hora, duas horas, páginas atrás de páginas. Depois, esquecia-me disso. Habitualmente, lia coisas e metia os livros em cima da mesa ao pé do gira-discos e nos dias seguintes punha-me a ver televisão, séries americanas, filmes americanos, televendas, Euronews. Passados uns dias, não me lembrava que livro tinha começado a ler pela última vez. Na mesa acumulavam-se títulos, O Deserto dos Tártaros, O Estrangeiro, O Jogador, O Velho e o Mar, Mocidade, alguns em inglês, The Most Beatiful Woman in Town, títulos chineses traduzidos para francês e do francês reescritos em português, Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô, Estreia Fatal. Quem olhasse para aquela mesa haveria de pensar “oh que gajo intelectual” mas era mentira. Aqueles livros eram só esquecimento. O que eu cultivava mesmo era o meu prazer pelas pipocas, cervejas do Lidl e séries americanas. Essa era a minha verdadeira cultura.
Abri a porta, eu estava em calções, chinelos e de camisa de manga curta, aberta de cima a baixo. Levei a cerveja na mão e tinha a barba grande, toda desalinhada. Na altura eu não ligava muito à minha aparência. Hoje também não. Era a Rita. E eu disse “Rita?!” com aquela expressão de “what a fuck?!” e dei um gole na cerveja ainda extremamente confuso e surpreendido e, na verdade, um bocado lixado – estava a ter um serão tranquilo e, naquele dia, precisamente naquele dia, estava mesmo a ler. E ela disse “Oi… desculpa” e fez aquele sorrisinho de quem está com vergonha mas não tem vergonha nenhuma, aquele que as mulheres fazem e torcem assim a mão e encolhem os ombros e fazem o tal sorriso enquanto dizem estas coisas “oi… desculpa” sem um pingo de sinceridade. Elas sabem que estão a ser inconvenientes. A Rita sabia que aquilo era meio embaraçoso e que a hora era indecente. E disse “espero não estar a incomodar” com a mesma expressão de olhos muito abertos como quem pede mais ou menos desculpa e depois “importas-te que entre?”. Eu fiz assim com a mão com que segurava a cerveja e saí-lhe da frente. Ela passou e eu fechei a porta “põe-te à vontade”, ela foi para a sala e sentou-se. A televisão estava desligada e eu estava a ler a Fang Fang, o livro estava aberto. Ela apontou para o livro e perguntou “quem é?” e eu “é uma chinesa… queres alguma coisa, uma cerveja?”. Ela aceitou. “Olha que são do Lidl”. Ela disse que não fazia mal.
A Rita não era minha amiga. Era mais ou menos. A Rita era a noiva de um grande amigo meu. Conhecíamo-nos, eu e esse grande amigo meu, desde os tempos do secundário. À Rita conhecia-a há coisa de um ano, desde que a relação deles tinha ficado mais séria. Jantei em casa deles três ou quatro vezes. Eles jantaram em minha casa uma vez. Não correu muito bem. Não sou grande cozinheiro. Foquei-me mais nos vinhos. Percebi que não gostaram. É uma das desvantagens de se estar sozinho e de não se ter companheira ou mulher ou namorada ou amiga de ocasião ou uma gaja qualquer que faça as vezes: jantares com um casal são tremendamente desequilibrados. O casal passa a ser uma espécie de instituição. Não é só ele; não é só ela. Em termos práticos, eles funcionam no modo “ele + ela” e isso é desagradável quando nós – eu – somos – sou, vá, o anfitrião porque não tenho ninguém com quem fazer equipa. Nessa ocasião, senti-me rara e profundamente só. Dois contra um. Eu perante a instituição correcta: o casalinho. A união, o futuro, os filhos em potência, uma vida a dois. Senti-me pressionado “então… e continuas sozinho?” e eu “epá, pois… da última vez foi a merda que se viu… e eu, para me chatear, não preciso de gajas… desculpa, Rita… não preciso de mulheres… sou perfeitamente capaz de me chatear sozinho”. Fiz uns rojões, mas correu mal. Os mojitos saíram miseráveis e, por isso, atirámo-nos aos vinhos mais cedo do que o previsto. Distraí-me com a salada e salguei-a também demais. Felizmente a sobremesa era gelado. Daqueles do Lidl. Eles eram perfeitinhos e vestiam roupa passada a ferro. Eu deixei queimar os rojões e parti a rolha da segunda garrafa.
Quando cheguei com a cerveja para a Rita, estava ela a folhear a Fang Fang. Não gosto que me mexam nos livros e fiz-lhe um sorriso ameaçadoramente amarelo. Acho que ela percebeu. Largou o livro e endireitou-se. Pegou na cerveja e agradeceu. “Então… o que fazes aqui?” perguntei eu e depois acrescentei “desculpa a pergunta”. Estava desabituado destas coisas. Era brusco e nem dava por isso. Senti-me um bicho. Ela disse “Não, não, tudo bem… eu compreendo que a situação seja estranha, vir aqui a tua casa a esta hora da noite…” Sim, a parte da hora fazia-me confusão. Mas o que verdadeiramente me intrigava era isto: porquê sozinha? E então eu disse “e vieste sozinha porquê?” Não, eu não era uma pessoa delicada. Ela não respondeu e fixou o olhar no vazio. Deu um gole na cerveja. Depois, começou a chorar. Agora, sim: o embaraço era pleno. “Foi o Mário… foi o filho da puta do Mário”. O Mário era o meu amigo.
E então a Rita contou-me a história. Foram à América e ao Canadá. A América é os Estados Unidos, pronto. Ver as cataratas do Niagara. “Comprei lá estes bonequinhos de handicraft. Vêm do tempo dos iroquois.” Era um boneco feio. “Foi o Mário que mo comprou, em Buffalo” e depois desatou a chorar de novo. “Nós queríamos começar a viagem em Niagara Falls, uma espécie de lua-de-mel, mas para assinalar o noivado.” Eles tinham dinheiro, tinham bons empregos. Podiam fazer estas coisas. “Depois íamos a Toronto, que ele tem lá uma tia. Ficávamos uns dias e depois íamos a Las Vegas e à Disneilândia.” O esplendor da fantasia: dinheiro, mulheres nuas e pessoas vestidas com fatos de rato Mickey. Já vi pior. “Mas não fomos… aquele filho de uma cadela” e voltou a chorar. Dei-lhe um guardanapo de papel. Assoou-se. Eu fui buscar mais cerveja. Quando voltei, ela estava a fumar. Eu não sabia que ela fumava. Fiquei contente, assim podia fumar também sem sentir que estava a incomodá-la. “Vês isto?” perguntou, segurando o cigarro “isto é culpa do anormal do teu amigo, sabes? Eu não fumava… Mas depois, uma pessoa com os nervos… Estávamos no nosso hotel em Niagara Falls, do lado dos US (ela pronunciou mesmo “you ésse”), e íamos caminhar à beira das cataratas. Isto tinha tudo para ser romântico, sabes? Uma pessoa passa anos a ter sonhos, a desejar ambientes idílicos. E foi isso que conseguimos. Tudo bem programado. E a viagem tinha tudo para correr bem. Mas, vê tu, era a nossa primeira manhã ali e ele recebe um telefonema da Rebecca, – a Rebecca era uma prima canadense, explicou-me a Rita, filha da tia de Toronto – essa porca… falaram, falaram, falaram… Quando desligou, disse-me «querida, preferia que fôssemos já para Toronto» e eu achei aquilo muito estranho. Diego, ele é que escolheu as cataratas! Por mim, tinha ido para Cancún… ao menos, tem água que dá para mergulhar, não é como aquilo, só água cheia de violência, um barulho infernal, uma pessoa fica toda molhada. Sim, é bonito. Mas não justifica a viagem. De qualquer maneira, o Mário quis ir LOGO para Toronto. Ora, a Rita não é parva, não é? Se fosses tu, não desconfiavas” – eu disse que sim, pois… - “claro, a coisa era estranha. Quando fomos ao hotel, ele foi à casa-de-banho arranjar-se e eu apanhei-lhe o iPhone. Pensava que eu andava aqui a dormir, não? Às vezes parece que não me conhece. Entrei-lhe no Facebook. E vi a troca de mensagens com aquela vaca – ai que descarada, que puta, pá! Que nojo…” Ela estava a ir bem. Fui buscar mais cerveja. Tinha muitas no frigorífico. Para minha surpresa, a história estava a agradar-me. Era melhor do que a da Fang Fang. Não era tão bem escrita, mas tinha graça e prometia coisas boas lá mais para a frente. Quando voltei, acendia ela outro cigarro. Mas, agora, fumava com um ar plácido, sem tensão. Diria mesmo com gosto. Eu acendi um também. Por solidariedade. E porque me apetecia. “Queres pipocas?” disse eu, mas ela recusou com a mão. Ou eu já tinha bebido demais, ou ela estava com uma pose diferente daquela encolhida e meio magoada com que começara o nosso serão. Agora, parecia uma mulher segura. Praticamente atraente. “Sabes o que lhe dizia essa galdéria, sabes Diego? Dizia assim, só que em inglês, «não imaginas o quanto me excita toda a imoralidade desta nossa brincadeira…» - nem quis ler mais.”
Estava calor e convidei a Rita para irmos à varanda, ver o rio, fumar um cigarro. Pareceu-me que ela gostou da ideia. A história dela e do Mário e da Rebecca tinha qualquer coisa que me agradava. Por um lado, surpreendia-me que o Mário, o Mário que era uma pessoa séria, se metesse em aventuras destas. Por outro, achava a personagem de Rebecca a personificação da sacanice feminina e isso atraía-me, desde logo. “E o que é que fizeste?” A Rita contemplava a rua, serenamente. “Não disse nada, deixei-me ir… Metemo-nos no carro a caminho de Toronto, como ele queria. Pensei que pudesse confrontá-los, mudar o rumo das coisas, alterar a situação… partir a tromba àquela vaca desavergonhada… castrar o meu namorado – riu-se muito quando disse isto e eu ri também, foi espirituosa – ele bem que o merecia… Mas não, não me deram tempo. A caminho, parámos num desses american diners de beira de estrada, cheios de camionistas e a cheirar a bacon e ovos estrelados. Fui à casa-de-banho e, quando voltei, a mesa estava a vazia… Deixou-me a mala de viagem e a minha mala de mão…” Ela sorriu quando disse isto mas com tanta tristeza que lhe caíram lágrimas. Até a noite ficou amarga. Eu bebi cerveja. Ela bebeu cerveja. Fumávamos e calávamo-nos. E então eu disse “vê as coisas pelo lado positivo: a esta hora está ela a tirar fotografias com a Minnie... coitada”. Acho que ela riu e limpou as lágrimas.

terça-feira, maio 03, 2011

Pimentos padrón

Tu sais à noite com a tua mulher. Vão jantar primeiro. Provavelmente, comida indiana. A seguir, então, vão sair um pouco. Encontram amigos, bebem caipirinhas, mais tarde bebem cerveja. São apresentados a alguns amigos dos amigos. E tu mal te apercebes disso – não é coisa que te prenda a atenção.
Chegam a casa, tu e a tua mulher, e ela diz-te “aquela Ana Filipa é muito bonita, vistosa…” Fazes um esforço para perceber quem é a Ana Filipa e a que propósito se fala dela. Não obténs resultados. A tua busca cerebral é em vão. Desistes e assumes “não faço a mais pálida ideia de quem seja a Ana Filipa”. Bebeste vinho ao jantar; bebeste whiskey a acompanhar o café; bebeste duas caipirinhas; bebeste duas cervejas. “Tu também… nunca reparas em nada, nunca te lembras de ninguém”. Bebeste um copo de água antes de te deitares e de beijares o ombro da tua mulher.
Dias mais tarde, vais com a tua mulher a uma festa em casa de uns amigos. Há gente que conheces, gente que não conheces e, muito provavelmente, gente que já nem te lembras que conheces. Sorris à tua mulher. Reparas em alguém lá ao fundo da sala. Uma mulher mais nova que tu num vestido leve e decotado. Reparas que tem curvas. E cabelo encaracolado. Ela vê-te. A tua mulher também te está a ver. Está a ver-vos aos dois. A outra mulher sorri-te e acena-te. Oh, ela conhece-te. Sorris de volta, tentas compreender e pensas “Aaaaahhhhhhh… Então ESTA é que é a Ana Filipa!... Jesus Cristíssimo!...” E sorris à tua mulher que está ao teu lado. Mas ela nem olha para ti. Ignora-te. Barras um pouco de paté na mini-tosta. Dás um gole no Martini. Dizes “aquela lá ao fundo é que é a Ana Filipa, não é? Já me recordo, sim… Sim, é, de facto, bonita.” A tua mulher finge que não te ouve. Está a comer um camarão e a beber. Preferiu vinho verde. Olhas de novo para Ana Filipa. Sentes angústia. Há qualquer coisa de injusto nestas situações.
A caminho de casa, a tua mulher faz o resumo e o balanço da noite. Tu estás concentrado num fio de um pimento padrón que ainda tens preso entre os molares. Dizes “sim, sim”. Ouve-la dizer, lá pelo meio, “ai, ela é tão convencida” e continuas a tua luta com o fio e dizes “a-ham”. E depois ouves “meu Deus, ela é tão bimba” e consegues finalmente tirar o fio de entre os dentes e dizes “pois, imagino”.

segunda-feira, maio 02, 2011

Com um Bic encarnado

Espetei a pá na terra endurecida. Uma terra amarela com uns tons avermelhados, às vezes. Só queria aproveitar aquele sossego. Guardá-lo num frasco e esperar que tudo ficasse assim calmo.
A tarde já não estava para durar. O sol já não era forte, descia com toda a sua tradição. Era um gesto vulgar, o do sol. Uma coisa já banalizada. Enterrava-se nos cabeços a Ocidente. Sem surpresas. Sem pressa nem vagar.
Na geleira, no porta-bagagens, ainda havia cerveja. Tirei uma. Saquei a carica com o isqueiro. Aos anos que eu não sacava caricas com um isqueiro. Era um Bic encarnado, com que acendi o cigarro, a seguir.
Aquela cerveja e aquele cigarro, o sol e a terra dura, entre o dourado e a cor do sangue. Ena, lá estava eu a pensar como se fosse um poeta, caramba. Eu sozinho ali, a fazer listas e balanços na minha cabeça. Havia ervas, tufos raros e espaçados. O chão era mais poeta do que eu. Uns arbustos ao calhas. Uma estrada nacional sem gente, sem carros. Sem bichos. Não havia vento. Às vezes vinham brisas tão ao calhas quanto os arbustos. Não havia pássaros. Nada acontecia se eu ficasse quieto. Se o meu coração parasse, aquele sítio saía numa polaroid quadrada. Tirada por Deus. Ou por ninguém. Uma polaroid espontânea. Cósmica.
O meu coração podia parar. Há momentos que eu gostava de fotografar com violência e alma e aquele era um desses momentos. Fotografava e depois revelava-o com um líquido metafísico. Gostava de ficar com esses momentos na cabeça como tatuagens com cheiros e sons, palpáveis ao pensamento. Queria fabricar memórias com a respiração. Guardar aqueles bafos de fumo e goles de cerveja e fazer com eles uma estátua à existência, sempre ao pôr-do-sol, uma coisa assim infinita. No meio do nada. Com contornos duros.
Há momentos que eu gostava de fotografar com gelo, com a respiração e com os olhos. Mas os olhos não guardam nada. São só berlindes com mira telescópica. A vida passa-lhes à frente e eles não memorizam coisa nenhuma. O meu armazém das coisas sempre foi mais o estômago.
Ali estava eu, a pensar na vida. Todo cheio de lirismos e existencialismos. Que é da vida se não pensamos nela, não é? Só existimos quando damos por isso. E esta ideia nem sequer é minha.
Pensava na vida e pensava na morte. A circunstância era adequada. Nunca fui pessoa de andar a matar. Mas fossem bichos ou fossem pessoas. Fossem traças ou escaravelhos. Quando era puto, ainda matava umas formigas, umas moscas. Mas depois fiquei pacífico e já nem queria saber disso. Nem quero.
Abri mais uma cerveja. Acendi mais um cigarro. Apeteceu-me ouvir música, mas não tinha como. Imaginei o I Can't See You do Tim Buckley. Não. Era um tema demasiado nervoso. O momento era mais de sossego e de retiro. Foi então que a minha memória sugeriu, sem eu ter feito nada, o Strange Feelin' e eu fiquei feliz porque a minha memória ainda me compreendia. Era uma amiga fiel. Tal como o Bic encarnado.
E ali estava eu, numa espécie de deserto, à beira de nada e com nada fundamental nas mãos. A apologia do vaizo. A elegia da minha existência. Nem um grilo como testemunha e o sol a pôr-se.
E ali estava ela. Completa, acabada e cada vez menos morna. Cada vez mais morta a cada minuto. Olhei para a terra remexida e sem sinais. Não lhe pus uma cruz na campa. Não pus coisa nenhuma naquela campa. Só o meu suor. Fui eu que abri aquele buraco. E fui eu quem o cobriu de terra. E ao pensar nisto lembrei-me d' A Morte de Ivan Ilitch. Nem sei porquê. São coisas que nos vêm à cabeça, é morte e a gente associa. Morte é morte. Podia ter sido a Morte em Veneza. Mas prefiro Tolstói.
Ela não agonizou como Ilitch. Tomou comprimidos e mandou-me uma mensagem a pedir que a fosse buscar. Deixou a porta entreaberta. A das traseiras, que dá para a cozinha. Quando cheguei, estava no sofá, sentada, a cabeça pendida para trás. Sem pulsação. Olhos e boca muito abertos. Tinha vestidos uns calções de futebol. Da AS Roma. E uma t-shirt das tintas CIN. Não tinha soutien. Notava-se.
Não a enrolei num lençol. Não lhe fiz mortalha. Nem chinelos lhe enfiei nos pés. Peguei nela assim, como estava, e pu-la no carro. Como se fôssemos embora. Passear, outra vez. Ver o caminho, apanhar sol. Ver o mar do Sul. Mas não fomos. Levei-a para lá, para o tal deserto da polaroid. E deitei-a numa cova feita por mim. É isso.
A verdade é que sempre sonhei enterrar alguém no deserto. A beber cervejas e a fumar cigarros ao pôr do sol. E depois ir-me embora a conduzir com as janelas abertas e a pensar em coisas fúteis. E a ouvir coisas estranhas na rádio. Relatos de futebol de clubes desconhecidos das divisões distritais. Coisas assim.
Abri mais uma cerveja. Fechei a bagageira. Já não havia sol, só aquela coisa ruborescente no céu, de um lado, e o azul escuro do outro lado do mesmo céu. Acendi outro cigarro e sentei-me ao volante. O carro não tinha rádio. Era um carro velho, à minha medida. Arranquei. E pensei "havemos de repetir".