O Balanço de 2009
(Prólogo)
De 2008 não fiz balanços
Esqueci-me.
Faz de conta que foi um ano estático, quietinho
Sem altos nem baixos
Sempre a direito
Sempre com a mesma cadência
Como palavras sempre iguais
Tipo não não não não
Ou sim sim sim sim
E agora já é 2009 e é tarde demais
Para acrescentar palvras como “porém”
Ou outras mais esquisitas
Das boas e das más
Porque o ano já acabou
O que não é mau porque, afinal, veio outro a seguir
Como os autocarros.
Então
E antes que me esqueça
Vou fazer um balanço de 2009
Para trás e para a frente.
(Para Trás)
O Algarve era muito bonito
Mas choveu mais do que era preciso
Já lá havia muita água
- ia dali até Marrocos e mais abaixo ainda, à África do Sul, e por aí fora, até bater no gelo
Mas era bonito na mesma
O Algarve era igual em 2008 e em 2009
Menos nas garrafas vazias dentro dos sacos do Minipreço
Nas beatas acumuladas nos cinzeiros
Nos confetis espalhados pelo alpendre
No cansaço
E nos queijos que ainda faltava comer
- confesso: fui eu que comi o resto do chili
Era madrugada e eu tinha muita fome
Depois ela veio
Porque era ano novo
E tínhamos de dar beijos novos um ao outro
Como já déramos no ano anterior
Mas mais adaptados
Como se as bocas fossem ergonomicamente concebidas para se encaixar
E os lábios se ouvissem e vissem
Como os morcegos vêem, ouvindo o que mais ninguém ouve
(havia morcegos no Algarve, eu vi)
Ela deu-me a prenda de Natal que faltava
O Livro do Desejo
Foi o Leonard Cohen, que é cantor, que o escreveu
Gosto muito
O Cohen canta quase tão bem quanto escreve
O que é dizer muito
Tanto do que escreve quanto do que canta
Acho que o Cohen
Perdão, o senhor Cohen escreve um pouco melhor que eu
Não tem vergonha nas palavras
Mas tem habilidade para ser sem-vergonha
E nunca é vulgar
Por mais que seja malicioso ou explícito
Porque é inteligente
E a inteligência impede-nos de ser gratuitos
- a não ser quando escrevemos para blogues públicos ou deixamos os nossos álbuns para download gratuito autorizado
Mas isso é um gratuito diferente
Não-pornográfico
Ela escreveu uma bela dedicatória na primeira página
Aquela que ainda não é página do livro
É apenas resguardo da escrita que lá vem
Antes do título
Antes da tiragem
Antes do copyright
Antes do nome do autor e das dedicatórias que ele faz
Antes daquelas coisas todas em itálico
Que só gastam é papel
Mas a página que ela escreveu não gasta nada
- gosto muito do livro
Porém, bastava-me aquela não-página
Com a dedicatória bela
Nessa tarde fomos ver Tavira
E aquele jardim lá dentro das muralhas velhas do castelo
Atravessámos o rio a pé
Não como Jesús Cristo
Fomos por cima da ponte
Por uma questão de bom senso
E íamos ver o Inferno
Que também era do outro lado do rio
Mas que ficava, dizem, lá num pêgo
- não sei o que é um pêgo
Não sei o que é o Inferno
Mas vi a tabuleta na rotunda da A22
Acabámos por não ir
Chovia demais
A ponte era estreitinha
Tivemos receio de cair ao rio
E depois ela foi-se embora.
Mais tarde fomos ver o mar, as dezenas de âncoras na areia e a carcaça de um barco
Já meio desfeita
Era na praia do Barril
Devem ter feito o barril com a madeira que falta no barco
Voltámos num comboio muito infantil
Cheio de crianças a cantar cantigas do estilo das que eu cantava quando andava no ATL e ia para a praia no Verão
Éramos muitos
Eu às vezes não sabia as cantigas
Porque não tinha andado no infantário
E os outros todos tinham e sabiam-nas, de uma ponta à outra
Sentia-me um pouco info-excluído.
Mas hoje sei cantigas que eles não sabem
Muitas delas até sou eu que as invento
No dia seguinte voltámos.
Pelo meio do caminho, fui comer arroz de polvo.
Feliz coincidência: foi na terra onde a beijei pela primeira vez.
Estava uma delícia.
Já com o Algarve na memória
Voltei á realidade normal das coisas
Cheio de desejo de o fazer
Fechei-me no estúdio
Com a guitarra e os outros dois
Fizemos barulho e tocámos
Saímos contentes
Não nos esquecemos de nada
Há que preparar o futuro próximo
Ela regressou para perto de mim
E a quadra natalícia
Tão farta em distâncias e tristezas e saudades
Transformou-se de súbito num curto interregno
Num espaço de memória curta
Num lapso
Uma curta e estreita ponte, como a do Inferno do Algarve,
Que a gente até podia ter atravessado depressa
Para o lado que interessava.
Esta atravessámos
Já estamos do lado que interessa
(Para a frente)
Quero que ela fique perto de mim
E quero fechar-me no estúdio e fazer barulho e tocar com os outros dois
Subir a muitos palcos e fazer o mesmo
Passear com ela na rua
Mesmo em ruas que não sejam habitualmente as nossas.
Só isso, mais nada.
De 2008 não fiz balanços
Esqueci-me.
Faz de conta que foi um ano estático, quietinho
Sem altos nem baixos
Sempre a direito
Sempre com a mesma cadência
Como palavras sempre iguais
Tipo não não não não
Ou sim sim sim sim
E agora já é 2009 e é tarde demais
Para acrescentar palvras como “porém”
Ou outras mais esquisitas
Das boas e das más
Porque o ano já acabou
O que não é mau porque, afinal, veio outro a seguir
Como os autocarros.
Então
E antes que me esqueça
Vou fazer um balanço de 2009
Para trás e para a frente.
(Para Trás)
O Algarve era muito bonito
Mas choveu mais do que era preciso
Já lá havia muita água
- ia dali até Marrocos e mais abaixo ainda, à África do Sul, e por aí fora, até bater no gelo
Mas era bonito na mesma
O Algarve era igual em 2008 e em 2009
Menos nas garrafas vazias dentro dos sacos do Minipreço
Nas beatas acumuladas nos cinzeiros
Nos confetis espalhados pelo alpendre
No cansaço
E nos queijos que ainda faltava comer
- confesso: fui eu que comi o resto do chili
Era madrugada e eu tinha muita fome
Depois ela veio
Porque era ano novo
E tínhamos de dar beijos novos um ao outro
Como já déramos no ano anterior
Mas mais adaptados
Como se as bocas fossem ergonomicamente concebidas para se encaixar
E os lábios se ouvissem e vissem
Como os morcegos vêem, ouvindo o que mais ninguém ouve
(havia morcegos no Algarve, eu vi)
Ela deu-me a prenda de Natal que faltava
O Livro do Desejo
Foi o Leonard Cohen, que é cantor, que o escreveu
Gosto muito
O Cohen canta quase tão bem quanto escreve
O que é dizer muito
Tanto do que escreve quanto do que canta
Acho que o Cohen
Perdão, o senhor Cohen escreve um pouco melhor que eu
Não tem vergonha nas palavras
Mas tem habilidade para ser sem-vergonha
E nunca é vulgar
Por mais que seja malicioso ou explícito
Porque é inteligente
E a inteligência impede-nos de ser gratuitos
- a não ser quando escrevemos para blogues públicos ou deixamos os nossos álbuns para download gratuito autorizado
Mas isso é um gratuito diferente
Não-pornográfico
Ela escreveu uma bela dedicatória na primeira página
Aquela que ainda não é página do livro
É apenas resguardo da escrita que lá vem
Antes do título
Antes da tiragem
Antes do copyright
Antes do nome do autor e das dedicatórias que ele faz
Antes daquelas coisas todas em itálico
Que só gastam é papel
Mas a página que ela escreveu não gasta nada
- gosto muito do livro
Porém, bastava-me aquela não-página
Com a dedicatória bela
Nessa tarde fomos ver Tavira
E aquele jardim lá dentro das muralhas velhas do castelo
Atravessámos o rio a pé
Não como Jesús Cristo
Fomos por cima da ponte
Por uma questão de bom senso
E íamos ver o Inferno
Que também era do outro lado do rio
Mas que ficava, dizem, lá num pêgo
- não sei o que é um pêgo
Não sei o que é o Inferno
Mas vi a tabuleta na rotunda da A22
Acabámos por não ir
Chovia demais
A ponte era estreitinha
Tivemos receio de cair ao rio
E depois ela foi-se embora.
Mais tarde fomos ver o mar, as dezenas de âncoras na areia e a carcaça de um barco
Já meio desfeita
Era na praia do Barril
Devem ter feito o barril com a madeira que falta no barco
Voltámos num comboio muito infantil
Cheio de crianças a cantar cantigas do estilo das que eu cantava quando andava no ATL e ia para a praia no Verão
Éramos muitos
Eu às vezes não sabia as cantigas
Porque não tinha andado no infantário
E os outros todos tinham e sabiam-nas, de uma ponta à outra
Sentia-me um pouco info-excluído.
Mas hoje sei cantigas que eles não sabem
Muitas delas até sou eu que as invento
No dia seguinte voltámos.
Pelo meio do caminho, fui comer arroz de polvo.
Feliz coincidência: foi na terra onde a beijei pela primeira vez.
Estava uma delícia.
Já com o Algarve na memória
Voltei á realidade normal das coisas
Cheio de desejo de o fazer
Fechei-me no estúdio
Com a guitarra e os outros dois
Fizemos barulho e tocámos
Saímos contentes
Não nos esquecemos de nada
Há que preparar o futuro próximo
Ela regressou para perto de mim
E a quadra natalícia
Tão farta em distâncias e tristezas e saudades
Transformou-se de súbito num curto interregno
Num espaço de memória curta
Num lapso
Uma curta e estreita ponte, como a do Inferno do Algarve,
Que a gente até podia ter atravessado depressa
Para o lado que interessava.
Esta atravessámos
Já estamos do lado que interessa
(Para a frente)
Quero que ela fique perto de mim
E quero fechar-me no estúdio e fazer barulho e tocar com os outros dois
Subir a muitos palcos e fazer o mesmo
Passear com ela na rua
Mesmo em ruas que não sejam habitualmente as nossas.
Só isso, mais nada.
2 Comments:
... o amor sempre foi um bom estímulo à literatura... bom ano para ti, cheio de ruas, passeios, beijos e palcos!
quero
amor
como
nos
filmes
o cohen percebe da coisa mas tu também. habilidoso
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