quarta-feira, abril 13, 2011

Tenho de ir a Trás-os-Montes, que ainda não conheço

Estávamos a beber uma cerveja na rua. As noites de calor não dão vontade de ir para a cama. A cerveja sabe melhor. Conversávamos.
Já não somos miúdos. Já não temos, sequer, vinte anos. Olhamos para as coisas sem esperar novidades. Há pouco no mundo para nos deslumbrar. A merda da maturidade e da consciência tiram a piada a tudo. Fumar um cigarro deixa de ser um prazer. Controlar os cigarros passa a ser uma preocupação. Deitar tarde continua a ser bom, mas pesa-nos na consciência. E no corpo, que anteontem era de borracha, à prova de noite, e que agora exige descanso. Tenho um despertador e ligo-lhe mesmo, dou-lhe importância. Odeio o sentido de responsabilidade, aborrece-me. E agora, transgredir soa sempre a pecado. E eu não sou um pecador, foda-se!, sou só um gajo normal!
Tenho trinta e um anos – trinta e um anos, pá! – e ando aqui nisto, com horários e regras e contas para pagar e prazos para cumprir e a fazer planos, trabalho há treze anos, foda-se. Tenho trinta e um anos e olho para trás, não consigo contar os dias mas era capaz de jurar que ainda a semana passada tinha vinte e dois. Os meus três anos na escola secundária tiveram mais dias do que a década de 2000, era capaz de apostar o mindinho da mão direita. Renderam-me mais as férias da Páscoa de 1989 do que a Primavera de 2006 – da qual não guardo qualquer memória, acho eu, elas parecem-me todas iguais, a mesma Primavera a repetir-se, indistinta, desde 2001, mais ou menos.
Passaram trinta e um anos desde que nasci e o que é que eu andei aqui a fazer? Sim, bebemos umas cervejas à noite. Jantámos bem, experimentámos bons vinhos. Às vezes passeámos, mergulhámos nas águas tépidas do Algarve. Há uma altura ou outra em que um gajo é extravagante e vai passear para as montanhas, encher os pulmões. Ver os pássaros e não sei quê. Javalis. Tomar banho em riachos gelados. Comer coisas rústicas e ouvir só aqueles ruídos do mato a que as pessoas urbanizadas chamam “silêncio”, mas é silêncio a pôrra é que é silêncio – o silêncio não se ouve. Os grilos a fazer barulho é silêncio, por acaso?
Tenho trinta e um anos e nunca bronzeei este corpinho em Copacabana. Nunca fiz o reveillon em Times Square. Nunca caminhei em Novosibirsk pelas margens do Ob. Não tirei a carta, não fiz filhos. Acho que nem plantei árvores e escrevo coisas mas duvido que sejam livros. Sim, andámos por aí a fazer música, a dar concertos. A ver jogos de bola e pores do sol em sítios bonitos. A falar com pessoas.
Não estou a dizer que esta vida é uma merda e que é tudo infelicidade e que está tudo por conseguir e por fazer. Eu estou a dizer que tenho trinta e um anos e que não sei como isto foi acontecer, esta treta de um gajo dar por si e pumba, olha os vintes já se foram. Não me estou a lamentar. A culpa é da conversa de ontem á noite. A culpa é do calor. A culpa é da cerveja à porta do Manel.
Tenho trinta e um anos e dezoito deles foram passados em carruagens e estações de metro. Outros vinte e cinco foi a ver séries na televisão. Dormi sete ou oito. Trabalhei pelo menos quarenta e nove. Ando a gerir mal o meu tempo. Depois parece que uma pessoa não fez nada. Eu queria ter feito interrails quando tinha vinte e um anos, mas quando me lembrei disso já tinha vinte e nove. E queria ter sido um prodígio do rock aos dezanove, mas tinha vinte e cinco quando formei a banda. Queria ter ido ao Egipto aos vinte e sete mas tive medo e não tinha dinheiro. Resta-me a parte dos livros. Para os livros podemos ser velhos, não tem problema. E dos filhos. Ainda tenho tempo para isso. Mas não me posso descuidar com as horas. Tenho trinta e um anos e nunca fui à Austrália nem à África do Sul nem à Suécia. A Paris não quero ir.