quinta-feira, agosto 19, 2010

Primeira crónica: da praia de Alvor

O biquíni mostrava as suas formas. Não, não. Não é isto. O biquíni, que é uma peça que são duas, não passa de um par de trapos curtos e estreitos. Não mostrando coisa alguma na maior parte dos casos, deixa muita coisa à mostra na generalidade das vezes. Por isso, o biquíni deixava ver as suas formas. Músculos secos, pele muito bronzeada. E eu pensei “grandes férias que estes pobres têm… no meu tempo, os pobres não passavam as férias na praia, ao sol; iam mas era fazer biscates”. Ela era decididamente pobre. E já tinha para lá de trinta. Andava perto dos quarenta, talvez. Muito morena. Morena antes do que o sol queima, aquilo era morenice de nascença. O cabelo não enganava, de tão preto que era. Ou então era pintado. Até tinha pinta de quem pinta o cabelo. Não era elegante, embora fosse magra. As ancas demasiado largas, os ombros normais, mas estreitos. O peito não se distinguia da barriga, e isso diz muito. Tinha uma criança, ainda dentro daquelas alcofas modernas que parecem ovos. Admiram-se que o desenvolvimento dos infantes seja cada vez mais lento, mas transportam-nos dentro de ovos até aos cinco anos. Já é muita sorte que não lhes nasçam penas em vez de pêlos, quando chega a puberdade. A criança chama-se Mário Rui “Mário Rui, queres leitinho?... Olha o leitinho para o meu bebé… quem é o meu bebé, quem é?” – é o Mário Rui. Não deixa de ser curioso que a tatuagem ao fundo das suas costas evoque precisamente o seu rebento. Em determinadas situações, pode causar constrangimento “Oh… Cátia… quem é este Mário Rui?” “Ah, é o meu bebé… está aqui no quarto ao lado”. Talvez o Mário Rui seja o Mário Rui, Jr., chamado assim por via da falta de imaginação de pai e mãe. Ainda assim, mantém-se a possibilidade de resultar em constrangimento desnecessário. Se bem que, com aquele tipo de letra, facilmente o Mário Rui se transforma num golfinho de traços tribais havaianos ou num cavalo alado. Ou… hum… também dava o símbolo da Rolls Royce.
Cátia, a morena sem grande graça, estendia a toalha de praia e esbanjava as tatuagens pelo areal de Alvor. Tinha cobras nos braços, um arabesco indecifrável do lado esquerdo do pescoço e, voilá, um golfinho de traços tribais havaianos por cima do tornozelo direito. Estava um fim de tarde esplendoroso, daqueles em que o sol é castanho e quente e fica lá ao fundo, a aquecer a maré. E eu imaginava Cátia barmaid, sócia-gerente de um bar-cervejaria com um nome infeliz, como “Snake Bar” ou assim. Um estabelecimento de beira de estrada nacional, com motoqueiros pontuais e moscas assíduas. Cátia a servir canecas de cerveja com manga cava e decote generoso, muito mais generoso do que a mãe natureza fora consigo na hora de lhe esboçar os seios. Cátia devia ter piercings: um na língua, um no queixo e outro no sobrolho esquerdo. Como não os tem, fica uma pessoa incompleta.