sexta-feira, maio 26, 2006

O luto

Todos foram passando pela cadeira. Ali, à mesa comigo. Primeiro o pai, desgostoso. Depois a mãe, desesperada. Por fim, a irmã, ainda incrédula. E eu ouvia. Às vezes chorava um pouco. Outras vezes embargava-se-me a voz. Tinha dificuldade em falar. Talvez não me apetecesse falar, simplesmente. Queria que se fossem embora mas em vez de lhes dizer isso, não, ficava a ouvi-los, a amparar-lhes as dores. Que iriam sentir tanto a falta dela, que não sei quê, que a Lurdinhas era a luz daquela casa e ainda tão nova, coitadinha, todo um coro imenso de choros, uma lista infinita de lamentações, tristezas profundas, desabafos fúnebres. E eu, que não falava, ou falava pouco, e de vez em quando chorava um bocadinho só conseguia pensar "pois eu só queria que vocês se fossem todos foder! Era eu quem a aturava há dez anos! Era eu que dormia com ela há dez anos! Era eu que me punha nela há dez anos! Ou mais! E, principalmente, fui eu quem a perdeu e que agora estou viúvo!" Verdade seja dita: o ter-lhe tapado a cara com a almofada talvez tenha contribuído para a situação.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ahah! Este merecia estar nos "crimes exemplares" do Max Aub!

11:00 da manhã  

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