terça-feira, abril 19, 2011

Mitos e lendas do meu bairro

Se o karma existe mesmo, a próxima vida deste tipo vai ser penosa, longa e sem esperança. Todas as tascas do bairro, que não eram poucas, exibiam a fotografia do homem. O mesmo retrato atrás de todos os balcões. Cheguei a pensar que fosse alguma espécie de santo ou mártir da zona. Mas não. Ele era a lenda. E tinha um dom. Ou mais que um. Tinha vários dons. Mas falava bem, esse era o seu principal talento. E era charmoso. E era descarado. E tinha tanta franqueza na sua enorme lata que se tornava difícil resistir-lhe, dizer-lhe que não. Por isso, conquistou facilmente o direito à fotografia atrás dos balcões, ao lado dos letreiros das “bebidas expostas” que “são para consumo no estabelecimento”. Ele tinha conta em vários sítios. Não estou a falar de umas poupanças na Caixa de Crédito e de uma conta ordenado no Montepio Geral. Estou a falar de bagaços anotados, aguardentes assentes, imperiais apontadas e uísques velhos rabiscados nas sebentas de todos os cafés, bares e prostíbulos numa área de seis quarteirões. Diz o povo que, tudo somado, dava para cima de seis mil euros. Não sei se é verdade ou exagero. Sei que os retratos ainda lá estão pendurados.