O Mergulho ou a Arte do Abandono (excertos)
- O mergulhador anónimo
pesa sobre a terra
pelo mundo
as tribos
todas o permitem
o planeta deixa.
Ocasionalmente ignora
- o bom mergulhador
não volta.
Nada até que o esqueçamos e
será aquele estranho eterno
anónimo simplificado e
encurralado no próprio mergulho
- o mergulho
é um acto submisso
uma consequência da condição
o herói não mergulha
se posso, mergulho.
Com cobardia e convicção
- mergulharei no fogo
alguém saberá o quando
mas que eu não o assinale
os infortúnios do mergulhador
são ausências
rebeldes e ocultas
- posso afogar-me no tejo
ou no lavatório
a norte ou a sul do mondego
em águas cristalinas
em pó de arroz
será uma questão de metodologia
e de predisposição geográfica
- a viagem que faço
indo e vindo
num tapete submerso
a queda o abrigo a origem:
pecados.
eventualmente mortos
- um submisso numa catástrofe
não é positivo
não ajuda ninguém
somos sofredores
e só por isso
mergulhamos
é então
que a paixão vem a nascer
- o mergulhador anónimo
não tem casa
o abandono
é a única riqueza que possui
e há ruas tão belas
no meio de estar só
noites tão escuras
e tanto amor rarefeito
- com estranheza e satisfação
- é deste modo que encaro
a partida dos outros
no vazio
repousam construções imensas
repletas de guerra e de piedade
- a água não se detém
jorra por mim
ausculta-me toca-me
se não paro
afogo-me
acendo as velas
é noite e
não durmo
- durante o dia
observo os mestres
à sorte
como se fossem um espelho limpo
e esse líquido maduro
que me quer eterno
esse composto frágil
feito de náufragos
- ó! vida terrível
de gasto
de miséria
eis-me entre o cansaço e o sossego
silêncio pleno
paisagem sem mergulho
O Abandono
- a velocidade a que sinto
todas as coisas:
passageiro o tempo
materna a água
ou o ódio
o esvaziamento de
todas as salas do corpo
- amar o mundo
a morte
o medo
descer a rua
descer à terra
visitar o fundo
adormecer crescido
inundado
fugir do esforço
da devoção
nascer sentado
esquecer a esfera
adormecer no banho
trepando a cama
subindo pela escuridão
e por ti
carícias aumentadas ao espelho
à lupa
à solidão
memórias náufragas
o esquecimento
- não temas a minha ira.
Quando eu te odiar
será com veneno suave
possivelmente doce
o mergulhador
é um ser agradável
mesmo quando traz escafandro
- o transtorno:
corrida no escuro
à roda dos medos
como se a memória ficasse
não fica.
Ergue-se do túmulo
arrancando os cabelos
e os homens
que restam
- tantos se esforçaram
também sem nome
em nome de um mergulho
momento fugaz
essa derradeira glória
- planeta das flores
das águas
das margens coloridas
do excesso
da espera
o mergulhador anónimo
não morre
não quebra
abandona.
Desliza pela existência
até ao cadáver.
[O Mergulho (...) é o segundo painel do Tríptico Cardioconcêntrico, um inédito de 2003]
pesa sobre a terra
pelo mundo
as tribos
todas o permitem
o planeta deixa.
Ocasionalmente ignora
- o bom mergulhador
não volta.
Nada até que o esqueçamos e
será aquele estranho eterno
anónimo simplificado e
encurralado no próprio mergulho
- o mergulho
é um acto submisso
uma consequência da condição
o herói não mergulha
se posso, mergulho.
Com cobardia e convicção
- mergulharei no fogo
alguém saberá o quando
mas que eu não o assinale
os infortúnios do mergulhador
são ausências
rebeldes e ocultas
- posso afogar-me no tejo
ou no lavatório
a norte ou a sul do mondego
em águas cristalinas
em pó de arroz
será uma questão de metodologia
e de predisposição geográfica
- a viagem que faço
indo e vindo
num tapete submerso
a queda o abrigo a origem:
pecados.
eventualmente mortos
- um submisso numa catástrofe
não é positivo
não ajuda ninguém
somos sofredores
e só por isso
mergulhamos
é então
que a paixão vem a nascer
- o mergulhador anónimo
não tem casa
o abandono
é a única riqueza que possui
e há ruas tão belas
no meio de estar só
noites tão escuras
e tanto amor rarefeito
- com estranheza e satisfação
- é deste modo que encaro
a partida dos outros
no vazio
repousam construções imensas
repletas de guerra e de piedade
- a água não se detém
jorra por mim
ausculta-me toca-me
se não paro
afogo-me
acendo as velas
é noite e
não durmo
- durante o dia
observo os mestres
à sorte
como se fossem um espelho limpo
e esse líquido maduro
que me quer eterno
esse composto frágil
feito de náufragos
- ó! vida terrível
de gasto
de miséria
eis-me entre o cansaço e o sossego
silêncio pleno
paisagem sem mergulho
O Abandono
- a velocidade a que sinto
todas as coisas:
passageiro o tempo
materna a água
ou o ódio
o esvaziamento de
todas as salas do corpo
- amar o mundo
a morte
o medo
descer a rua
descer à terra
visitar o fundo
adormecer crescido
inundado
fugir do esforço
da devoção
nascer sentado
esquecer a esfera
adormecer no banho
trepando a cama
subindo pela escuridão
e por ti
carícias aumentadas ao espelho
à lupa
à solidão
memórias náufragas
o esquecimento
- não temas a minha ira.
Quando eu te odiar
será com veneno suave
possivelmente doce
o mergulhador
é um ser agradável
mesmo quando traz escafandro
- o transtorno:
corrida no escuro
à roda dos medos
como se a memória ficasse
não fica.
Ergue-se do túmulo
arrancando os cabelos
e os homens
que restam
- tantos se esforçaram
também sem nome
em nome de um mergulho
momento fugaz
essa derradeira glória
- planeta das flores
das águas
das margens coloridas
do excesso
da espera
o mergulhador anónimo
não morre
não quebra
abandona.
Desliza pela existência
até ao cadáver.
[O Mergulho (...) é o segundo painel do Tríptico Cardioconcêntrico, um inédito de 2003]
3 Comments:
até punha um like, mas isto não é o facebook.
mas quem é vo^cê?
Diego Armés. Pessoa praticamente anónima e distraída que não está habituada a que o tratem por "você". Ao seu dispor.
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