quarta-feira, outubro 12, 2011

Relato minimalista antigo

Eu vinha a descer por entre as pessoas que ficavam para o fim e que ainda enchiam os becos, os passeios e os degraus, de copo na mão, de garrafa na mão, de cigarro na mão, de cabeça nas mãos. Trazia a viola debaixo do braço e houve um rapaz que se chegou perto e meteu conversa. Trazia o seu cigarro e a sua cerveja. "Posso tocar um bocado?" - eu não tinha pressa. Se ia para casa era porque já não tinha amigos. Haviam de estar caídos pelas valetas, sentados no chão encostados a paredes, adormecidos em casas-de-banho ou quase a adormecer em camas casuais ou sofás ao calhas ou esquinas escuras mais à mão. Passei-lhe a guitarra. Eu não estava sóbrio, ele não estava sóbrio. Mas a guitarra estava afinada. Um guitarrista no seu estado normal testa uma guitarra fazendo soar um sol maior ou um mi menor, ou algo do género, antes de fazer qualquer coisa realmente importante com o instrumento. Um pretendente a guitarrista, bêbado, às quatro da manhã da noite de Santo António aborda a guitarra com um dó sustenido menor de sétima, com a nona aumentada. "Hummmmm... isto não me está a soar bem" disse ele com ar desconfiado e eu pensei "opá, fode-te". Começou a mexer na afinação e eu acendi um cigarro.