Entrevista de trabalho
(Uma pequena homenagem - é tudo o que posso fazer, para já...)
Cheguei e sentei-me, à espera. Entretanto, chegou uma senhora que aposto que tem 52 anos ou quase, com óculos, um casaco de malha azul escuro e um vestido fora de estação e muito fora de moda, cheiinha, sem elegância e voz demasiado fina “senhor Diego?” e eu “sim, sou eu”. “Bom dia, faça o favor”, ajeitou os óculos demasiado grandes e encaminhou-me para a porta do gabinete. A senhora tinha um ar de adjunta da secretária da administrativa do assessor do braço direito do subchefe do gabinete de apoio à vice-presidência da antecâmara da subintendência do auxílio às ideias raras de um administrador desconhecido sem qualquer voto na matéria, fosse a matéria qual fosse. Senti-me subestimado.
Sentei-me. “Falta-lhe aqui um portfólio”. “Ah, sim… mas eu mandei em formato digital”. “O que é isso, formato digital? Rectangular?”. “Não… bom, mandei por e-mail. É que, sabe, não é barato fazer uma impressão de qualidade de um conjunto de trabalhos com mais de seis anos… mesmo que fosse uma selecção de 7 ou 8 retratos… enfim, pensei que, sendo a entrevista para ‘serviços administrativos e fotografias tipo passe’ se dispensasse o portfólio”. Olhou-me, pesando na balança da sua sabedoria se a minha justificação faria sentido. “Bom, eu falo com o doutor”. Agradeci. “Aqui tem a lista das condições. Leia com atenção e eu já volto”.
Dizia assim: estágio com remuneração de 350 euros mensais; de segunda-feira a sábado, das 8h30 às 16h30, com intervalo de uma hora para almoço. Li com atenção cinco vezes, fazendo tempo até a senhora, com todo o ar de se chamar “dona Luísa”, voltar. “Já leu?”. “Li sim…” “E então?”
Hesitei. Escolhendo entre a honestidade e um futuro precário de prazo curto num serviço administrativo, optei pela segunda.
“Bom, quer dizer… não é muito bem pago – sorri inocentemente -… 350 euros, tantas horas por semana…” Dona Luísa olhou por cima do aro dos próprios óculos e eu li, juro que li, nos seus lábios imóveis a expressão “os jovens de agora”. Porém, foi diferente aquilo que disse “olhe, filho, é melhor que o desemprego…” Olhámo-nos, Dona Luísa com alguma desconfiança; eu com alguma ira e outro tanto de desconforto. “Bom, depois contactamo-lo, ‘tá bem? Tenha um bom dia”.
Saí do gabinete. Enquanto descia as escadas, algo em mim, um impulso difícil de explicar, obrigou-me a voltar atrás. Entrei no gabinete.
-Dona Luísa!
-Desculpe?
-Dona Luísa, ainda não acabámos… é que tive uma ideia.
-O meu nome é Conceição, se faz favor.
-Dona Luísa, uma ideia brilhante. Eu sou capaz de salvar esta empresa! Imagine, em vez de pagarem 350 euros aos seus estagiários e mesmo aos seus empregados, vamos remodelar isto tudo. Está a ver a ideia?
-Ãh?!
-Repare, primeiro despedíamos toda a gente.
-O quê?!
-Sim. Iam ter indemnizações e subsídios de desemprego. É melhor estar desempregado com subsídio e indemnização do que estar simplesmente desempregado, sem nada. É ou não é?
-Ehrm…
-Pronto, isto era o primeiro passo. Depois, contratávamos dezenas, centenas de pessoas para fazer todos os trabalhos. E, em vez de lhes pagarmos, dávamos-lhes… ora, deixe cá ver… olhe um pãozinho com manteiga, um pacote de leite com chocolate e uma peça de fruta a cada um. Todos os dias!
-Desculpe?
-Sim. Mas não precisava de ser kiwi nem nada disso. Maçãs, laranjas do Algarve, coisas assim baratas. Nada de entrar em loucuras!... E o pão era carcaça e o leite era do Lidl. Depois, à sexta-feira, escolhia-se o empregado da semana e dávamos-lhe um Twix! Imagine, um Twix. Uma pessoa num dia está no desemprego e, no dia seguinte, tcharam, sem mais nem menos, tem uma refeição diária e a possibilidade de ganhar um Twix à sexta-feira! Já imaginou? Há que incentivar os trabalhadores, sobretudo os jovens, que não querem fazer nenhum. Os jovens gostam de Twix, isso eu sei.
-Enlouqueceu…
-E depois, para as senhoras mais velhas, como a Dona Luísa, que estivessem dispostas a abdicar do salário e a permanecer na empresa, para que a perda não fosse tão pesada e triste, atribuir-lhes-íamos uma gelatina diária, também!
-Oh!... (um oh indignado, dos tornozelos à nuca!)
-E todos os dias diferente: à segunda era morango, à terça era banana, à quarta era laranja, à quinta era… era morango outra vez, à sexta era ananás e ao sábado, vá, era meloa! Meloa, imagine só!
-Eu?! Abdicar do meu… mas… pão com mant…
-Calma Dona Luísa… Ao menos tinha o seu empregozinho. Melhor que nada…
Cheguei e sentei-me, à espera. Entretanto, chegou uma senhora que aposto que tem 52 anos ou quase, com óculos, um casaco de malha azul escuro e um vestido fora de estação e muito fora de moda, cheiinha, sem elegância e voz demasiado fina “senhor Diego?” e eu “sim, sou eu”. “Bom dia, faça o favor”, ajeitou os óculos demasiado grandes e encaminhou-me para a porta do gabinete. A senhora tinha um ar de adjunta da secretária da administrativa do assessor do braço direito do subchefe do gabinete de apoio à vice-presidência da antecâmara da subintendência do auxílio às ideias raras de um administrador desconhecido sem qualquer voto na matéria, fosse a matéria qual fosse. Senti-me subestimado.
Sentei-me. “Falta-lhe aqui um portfólio”. “Ah, sim… mas eu mandei em formato digital”. “O que é isso, formato digital? Rectangular?”. “Não… bom, mandei por e-mail. É que, sabe, não é barato fazer uma impressão de qualidade de um conjunto de trabalhos com mais de seis anos… mesmo que fosse uma selecção de 7 ou 8 retratos… enfim, pensei que, sendo a entrevista para ‘serviços administrativos e fotografias tipo passe’ se dispensasse o portfólio”. Olhou-me, pesando na balança da sua sabedoria se a minha justificação faria sentido. “Bom, eu falo com o doutor”. Agradeci. “Aqui tem a lista das condições. Leia com atenção e eu já volto”.
Dizia assim: estágio com remuneração de 350 euros mensais; de segunda-feira a sábado, das 8h30 às 16h30, com intervalo de uma hora para almoço. Li com atenção cinco vezes, fazendo tempo até a senhora, com todo o ar de se chamar “dona Luísa”, voltar. “Já leu?”. “Li sim…” “E então?”
Hesitei. Escolhendo entre a honestidade e um futuro precário de prazo curto num serviço administrativo, optei pela segunda.
“Bom, quer dizer… não é muito bem pago – sorri inocentemente -… 350 euros, tantas horas por semana…” Dona Luísa olhou por cima do aro dos próprios óculos e eu li, juro que li, nos seus lábios imóveis a expressão “os jovens de agora”. Porém, foi diferente aquilo que disse “olhe, filho, é melhor que o desemprego…” Olhámo-nos, Dona Luísa com alguma desconfiança; eu com alguma ira e outro tanto de desconforto. “Bom, depois contactamo-lo, ‘tá bem? Tenha um bom dia”.
Saí do gabinete. Enquanto descia as escadas, algo em mim, um impulso difícil de explicar, obrigou-me a voltar atrás. Entrei no gabinete.
-Dona Luísa!
-Desculpe?
-Dona Luísa, ainda não acabámos… é que tive uma ideia.
-O meu nome é Conceição, se faz favor.
-Dona Luísa, uma ideia brilhante. Eu sou capaz de salvar esta empresa! Imagine, em vez de pagarem 350 euros aos seus estagiários e mesmo aos seus empregados, vamos remodelar isto tudo. Está a ver a ideia?
-Ãh?!
-Repare, primeiro despedíamos toda a gente.
-O quê?!
-Sim. Iam ter indemnizações e subsídios de desemprego. É melhor estar desempregado com subsídio e indemnização do que estar simplesmente desempregado, sem nada. É ou não é?
-Ehrm…
-Pronto, isto era o primeiro passo. Depois, contratávamos dezenas, centenas de pessoas para fazer todos os trabalhos. E, em vez de lhes pagarmos, dávamos-lhes… ora, deixe cá ver… olhe um pãozinho com manteiga, um pacote de leite com chocolate e uma peça de fruta a cada um. Todos os dias!
-Desculpe?
-Sim. Mas não precisava de ser kiwi nem nada disso. Maçãs, laranjas do Algarve, coisas assim baratas. Nada de entrar em loucuras!... E o pão era carcaça e o leite era do Lidl. Depois, à sexta-feira, escolhia-se o empregado da semana e dávamos-lhe um Twix! Imagine, um Twix. Uma pessoa num dia está no desemprego e, no dia seguinte, tcharam, sem mais nem menos, tem uma refeição diária e a possibilidade de ganhar um Twix à sexta-feira! Já imaginou? Há que incentivar os trabalhadores, sobretudo os jovens, que não querem fazer nenhum. Os jovens gostam de Twix, isso eu sei.
-Enlouqueceu…
-E depois, para as senhoras mais velhas, como a Dona Luísa, que estivessem dispostas a abdicar do salário e a permanecer na empresa, para que a perda não fosse tão pesada e triste, atribuir-lhes-íamos uma gelatina diária, também!
-Oh!... (um oh indignado, dos tornozelos à nuca!)
-E todos os dias diferente: à segunda era morango, à terça era banana, à quarta era laranja, à quinta era… era morango outra vez, à sexta era ananás e ao sábado, vá, era meloa! Meloa, imagine só!
-Eu?! Abdicar do meu… mas… pão com mant…
-Calma Dona Luísa… Ao menos tinha o seu empregozinho. Melhor que nada…
1 Comments:
Acho que a senhora preferia o twix à gelatina. Estamos a falar de gelatina do Lidl ?
Enviar um comentário
<< Home