sexta-feira, dezembro 14, 2007

Mensagem de Natal

Eu não gosto muito do Natal. A história do bacalhau e isso ainda vá. A reunião das famílias também é uma coisa boa, especialmente quando se vive longe da família. A lareira acesa - para quem tem a sorte de ser endinheirado e ter lareira - também é bonito e faz lembrar os filmes. Mas quem reúne apenas uma parte da família separada, em redor de um aquecedor a óleo ou a gás, olha para as batatas, para o azeite, para as couves e não consegue deixar de se sentir deprimido e de pensar "falta aqui qualquer coisa". Sim, o bacalhau. Mas não só. Falta algum sentido. Falo de um sentido verdadeiro e unânime. Equilibrado sobre a razão de ser e os bons motivos para se sentir o tal "espírito natalício".
Nesta altura do ano, as pessoas são compelidas a lembrar-se de quem é pobre e de quem está só e de quem precisa de ajuda - e estas ajudas vão desde os donativos para transplantes ou para tratamentos obscenamente caros até às recolhas de fundos para a casa que se perdeu num desastre natural na América Central ou num desastre com gás natural em Setúbal. Escrito assim, até pode parecer coisa ligeira. Mas não é. Esta propaganda natalícia tem defeitos que abomino. Nem falo da tradicional hipocrisia e do aproveitamento da quadra - "compre mais embalagens de Cerelac que a gente dá 20% aos pobrezinhos de um bairro de barracas a designar e aumenta as vendas em 12%, o que nos permite realizar uma diminuição de 0,2% nos despedimentos de Dezembro" -, que até pode ter como lado positivo relembrar consciências com posses na algibeira - antes uma vez por ano do que vez nenhuma. O que mais me enerva e chega a deprimir é esta espécie de sentimento de culpa que se distribui por cada um de nós e que logo se apaga com um novo slogan publicitário - "ajude quem precisa, mande fraldas para a morada X" seguido de uma Leopoldina que tem montes de brinquedos novos e espectaculares, made in China com mãozinha de obra, seguida de um compacto com imagens comoventes de crianças barrigudas e cheias de fome seguido do novo telemóvel de uma marca estrangeira com modelo exclusivo para uma empresa portuguesa e utilizado exclusivamente por gente universal, cosmopolita, bonita, sorridente e bem vestida, feliz da vida. Eu não tenho dinheiro para telemóveis com câmaras de filmar e piscina. Eu posso partilhar dessa culpa natalícia e social pelo mal dos chamados "desfavorecidos", mas infelizmente não tenho como compensá-los pelo meu pecado que é fazer parte desta sociedade injusta (poderia haver aqui egoísmo; mas prefiro chamar-lhe "instinto de sobrevivência"). Eu não suporto a Leopoldina nem a outra, a Popota. Eu não vou à Missa do Galo porque não sou Católico e, como respeito os católicos, não frequento os seus espaços sagrados só porque é costume. Eu não gosto muito do Natal. Mas, ainda assim, e como é tradição cantar-se nesta altura do ano em tudo quanto é coluna de tudo quanto é centro comercial, desejo a todos um bom Natal. Sinceramente.