A frase que estava naquela parede
Continuou. A noite estava quente. Abafada. Parecia que o ar nem se mexia. E, apesar de estar junto ao rio, respirava-se um ar seco. Enquanto caminhava em direcção ao bar, encaminhava também os pensamentos: que se lixem os espíritos assassinos. Pensou em Raquel. Como estaria vestida? Uma saia, um vestido leve. Um decote. Ó sim, por favor, um belo top decotado e, de preferência, que o peito se revelasse apertado. Como se estivesse espartilhado. E não era difícil espartilhar as mamas de Raquel.
Entrou, procurou por ela. Estaria atrasada. Típico de Raquel. Mulher caprichosa. Sentou-se ao balcão, pediu uma caipirinha. O barman serviu-o. Parou, olhou-o e perguntou-lhe "sente-se bem?". E ele respondeu que sim. "É que está muito pálido". Encolheu os ombros. Que chatice. Estar com mau aspecto logo no dia em que Raquel aceitara finalmente o convite. E o convite fora arrojado. Para não dizer descarado. Portanto, Raquel, se sabia ao que ia e se aceitara o convite... é só juntar dois mais dois. "Neste caso, um mais uma". Sorriu com a sua própria piada. Fumou um cigarro. Ou, melhor, acendeu o cigarro e foi fumando. E bebendo a caipirinha. O barman aproximou-se. "Senhor, tem a certeza que se está a sentir bem?" e ele que sim, que tinha, estava de perfeita saúde. "É que... desculpe insistir, mas tem um pouco de... sangue... aí, no nariz". Levou o lenço de papel ao nariz e, de facto, confirmava-se. Sangue. Mas que diabo... O seu pensamento parou, então, por instantes. Na sua cabeça só existia aquela frase. Levantou-se, foi lavar a cara, tentar compor-se. Olhou-se ao espelho. O aspecto não era o melhor. Voltou ao balcão.
Pediu mais uma caipirinha.
-Ouça - dirigia-se ao barman. Sabe alguma coisa sobre a frase que está naquela parede?
-Qual frase?
-Bom, isto pode parecer uma coisa um pouco tola...
-Nunca lá vi frase nenhuma.
-A sério?! É um escrito grande... Diz "espíritos matavam mais de 200 pessoas por noite". Assim, só isto.
O empregado pareceu um pouco incrédulo.
-Nunca vi isso...
-É... é estranha, não é? Por que raio iria alguém escrever uma coisa destas?
-Só se for um maluquinho.
Dito isto, o barman riu-se e continuou o seu trabalho.
Ficava tarde. Acumulava já quatro copos de caipirinha à sua frente. O empregado já levantara dois. Raquel não chegava. Decidiu ir-se embora. Pagou e levantou-se. "Puta que pariu a Raquel... mulheres..." Não era fácil manter-se direito. Fez um esforço. Saiu. No caminho de regresso, antes de procurar um táxi, decidiu passar novamente pela parede. Leu a frase outra vez. "Os espíritos não existem". Deu um salto para trás. Esfregou os olhos e tentou ler uma vez mais "Os espíritos não existem", insistia a parede. Assustado e confuso decidiu caminhar um pouco antes de ir para casa. O seu coração batia de uma maneira completamente louca, num ritmo frenético e descompassado. Precisava de se acalmar. De Raquel nunca mais ninguém soube.